quinta-feira, março 02, 2017

Danilo Caymmi: valeu a pena esperar


CD
Danilo Caymmi Canta Tom Jobim (Universal Music)
2017


Além da carreira solo iniciada em 1977 – ele é um dos autores dos sucessos “Andança” e “Casaco Marrom” –, Danilo Caymmi integrou a Banda Nova, que acompanhava Antonio Carlos Jobim, de 1983 a 1994 – quando o falecimento do Maestro Soberano encerrou as atividades do grupo. E, somente agora, 22 anos depois, Danilo considerou que o momento era apropriado para homenageá-lo. Assim surgiu o ótimo Danilo Caymmi Canta Tom Jobim, que chega às lojas e serviços de streaming via Universal Music.

O filho caçula do mestre Dorival selecionou 11 canções “por critérios afetivos” – revela que viu, por exemplo, “Tema de Amor de Gabriela” sendo composta verso a verso. E, embora não tenha deixado de fora clássicos como “Água de Beber” e “Ela É Carioca”, também optou por reler faixas menos conhecidas como “As Praias Desertas” e “Chora Coração”. 

O clima do álbum é plácido, intimista, com arranjos ultraeconômicos nos quais o violão de nylon se mostra onipresente. Curiosamente, não há um único acorde executado por piano em todo o disco.

Danilo inicia os trabalhos com “Bonita Demais (Bonita)”, com a letra em português escrita por Vinícius de Moraes encontrada em 2005 na Fundação Casa de Rui Barbosa – a original em inglês de Jobim data de 1964. Em “Estrada do Sol”, parceria de Tom com Dolores Duran, o cantor recebe a companhia da americana Stacey Kent – cantando em bom português (!).

A única nota dissonante do repertório é o fox “Querida”, cuja versão original – lançada em Antonio Brasileiro [1994], último disco do autor de “Águas de Março” – é realmente imbatível. Danilo Caymmi Canta Tom Jobim encerra com a maravilhosa “Derradeira Primavera”, também com letra do Poetinha, não deixando nenhuma dúvida de que se trata de um tributo realizado por alguém “da família”. Valeu a pena esperar 22 anos.


Ouça “Estrada do Sol”, com participação de Stacey Kent:

Da série ‘Causos’: a introdução de ‘Samba do Avião’, por Jobim e Dorival Caymmi


Apesar de amigos e confidentes desde a década de 1960 – quando gravaram juntos o álbum Caymmi Visita Tom e Leva seus Filhos Nana, Dori e Danilo [1964] –, Antonio Carlos Jobim e Dorival Caymmi, ironicamente, nunca compuseram em parceria. A única exceção foi uma introdução do sucesso “Samba do Avião” criada por Dorival.

Certa vez, o autor de “Samba da Minha Terra” estava no apartamento de Tom e decidiu colocar letra no trecho final da melodia da canção lançada em 1962. Como mote, lembrou da saudação que a esposa, a cantora Stella Maris, escrevia em todas as cartas enviadas para o marido – que, à época, frequentava um centro espírita em Niterói: “Salve Deus e Thiago e Humaitá”.

Jobim completou mencionando o desconforto que sentia ao aterrissar no aeroporto do Galeão, que hoje leva o seu nome: “Ê, Xangô / vê se me ajuda a chegar”.

A primeira parte da introdução (em letras itálicas) foi composta por Caymmi. A segunda foi inteiramente criada por Tom:


Epa Rei 
Aroeira
Beira de Mar
Canoa
Salve Deus e Thiago e Humaitá.

Eta costão de pedra
Dos “home” brabo do mar
Ê, Xangô
Vê se me ajuda a chegar.”


Curiosamente, a versão de “Samba do Avião” com a introdução criada pela dupla só foi registrada em disco duas vezes: no CD póstumo (gravado em 1987 sob encomenda da Odebrecht, como brinde para os funcionários da empreiteira) Inédito [1995], de Tom Jobim (com vocal solo de Danilo Caymmi); e em Novas Bossas, editado por Milton Nascimento na companhia do Jobim Trio em 2008.



Veja o vídeo de “Samba do Avião” – com direito a introdução, claro: