CD Meia Noite (Velas)
1995 (reeditado pela Biscoito Fino em 2011)
Por José Luiz Coelho de Andrade*
Lançado originalmente em 1995, o CD Meia Noite, de Edu Lobo, possui inúmeras virtudes. A maior delas é nos presentear com uma verdadeira antologia da magnífica obra desse compositor. Ademais, os arranjos são primorosos: o bom gosto do maestro Cristóvão Bastos reflete-se principalmente no uso inspirado das cordas. A voz de Edu pode não ser tão redonda quanto gostaríamos, mas este detalhe é compensado pela solenidade e dignidade de seu timbre singular. É a voz inconfundível de um artista íntegro, que jamais se rendeu aos apelos comerciais e à mediocridade.
Mencionemos apenas algumas faixas — os pontos altos do disco —, joias inestimáveis de nossa riquíssima música popular brasileira. A primeira canção, composta por Edu com letra de Chico Buarque, é uma obra-prima: “O Circo Místico”. Trata-se de um raro exemplo de canção metafísica, que já começa de modo belíssimo e sutil: “Não sei se é um truque banal/ se um invisível cordão/ sustenta a vida real”. Numa outra passagem, Chico indaga: “Não sei se é nova ilusão/ se após o salto mortal/ existe outra encarnação”.
A quarta faixa, “Beatriz”, é um clássico absoluto, e ficou mais conhecida pela interpretação sublime de Milton Nascimento na trilha do musical O Grande Circo Místico. É evidente a correlação com a Beatriz da Divina Comédia, de Dante: o poema fala de uma mulher etérea, mistura de musa e sacerdotisa. “Me ensina a não andar com os pés no chão”, suplica o poeta Chico, como se essa mulher especial pudesse iniciá-lo num processo de elevação. E mais adiante, o verso inesquecível: “Diz se é perigoso a gente ser feliz”.
“Só Me Fez Bem”, a sexta faixa, é uma canção mais antiga de Edu, parceria sua com Vinicius de Moraes. O casamento entre música e letra é perfeito. Vinicius tinha essa capacidade de encaixar as palavras magicamente. O “poeta da paixão”, docemente melancólico, podia dizer naturalmente coisas como “é melhor viver / do que ser feliz”. Essa pérola do jovem Edu Lobo pode ser comparada com “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso — duas canções igualmente simples e geniais.
“Sobre Todas as Coisas” (faixa 7) também faz parte de O Circo Místico, e recebeu, no disco original, uma emocionada interpretação de Gilberto Gil. A letra impecável de Chico Buarque fala do movimento cósmico (“Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel”) e reflete sobre o Deus “que criou o nosso desejo”.
Quanto a “Canto Triste”, a oitava faixa, é até difícil dizer alguma coisa: estamos diante de uma das canções mais extraordinárias que já foram feitas. Só nos resta reverenciar o lirismo da música e da letra de Vinicius. O filósofo e poeta Francisco Bosco, filho de João Bosco, tem toda razão quando diz que, “no fundo, não existe canção triste”: triste mesmo é a ausência da poesia e da beleza.
Passamos então à faixa 10, “Candeias”, composta solitariamente por Edu, que ficou conhecida através de Domingo, disco histórico de Gal e Caetano. No álbum de estreia de ambos, fizeram um trabalho maravilhoso, com a pureza e a limpidez dos inícios. “Candeias” tem o sabor de um acalanto: é música que nos acaricia e possibilita o repouso verdadeiro, aquele descanso que raramente desfrutamos.
E, por fim, Dori Caymmi canta “Pra Dizer Adeus”, letra de Torquato Neto. Mais um clássico de Edu, que Dori interpreta com a sua voz grave e profunda, correspondendo plenamente à densidade emocional da canção.
O único momento do disco dedicado a um outro compositor é “Estrada Branca”, de Antonio Carlos Jobim. É uma homenagem mais do que merecida: um gigante celebra um deus, digamos assim. Afinal, Jobim é um arquétipo, um modelo, um homem que nasceu para gerar música, a tal ponto que é impossível imaginar o mundo sem o que ele produziu. A propósito, cabe lembrar que Jobim e Edu gravaram juntos, em 1981, um belo disco — sintomaticamente batizado de Edu & Tom.
* JOSÉ LUIZ COELHO DE ANDRADE é professor de filosofia e biodança. E sua colaboração enche de orgulho este blog.