Certa vez, li uma entrevista de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza [no detalhe], na qual ela dizia que, apesar da porra-louquice do poeta, ele era extremamente apegado à sua família.
Assim como eu.
Anos depois, conheci, muito tardiamente, a brilhante gravação de Ney Matogrosso (a quem, aliás, admiro profundamente) de "Poema", uma letra de Cazuza que foi dada por Lucinha para que Roberto Frejat musicasse - e essa foi a última parceria póstuma da dupla. Nesse mesmo dia, conheci a história dessa letra: esse foi um poema (daí o título) que Cazuza escreveu aos 17 anos d idade para a sua avó paterna.
Identifiquei-me muito com essa canção. Porque, a exemplo dele, sempre fui bastante apegado à minha avó paterna - uma mãe para mim. De modo que as coisas que são ditas nessa letra... eu assinaria embaixo, sem sombra de dúvida. Há um determinado momento em que todo mundo se sente que "perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua - que vai ficando no caminho..."
Sendo assim, muito respeitosamente, eu gostaria de tomar emprestado esses versos do poeta para homenagear a minha avó paterna - que nesse mês de julho completa um ano de falecimento. Portanto, com amor e saudade, transcrevo abaixo, na íntegra, a letra da canção.
Poema
(Frejat - Cazuza)Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo.
Eu acordei com medo e procurei, no escuro,
alguém com seu carinho
e lembrei de um tempo.
Porque o passado me traz uma lembrança
do tempo que eu era criança.
E o medo era motivo de choro
desculpa para um abraço ou consolo.
Hoje eu acordei com medo, mas não chorei
nem reclamei abrigo.
Do escuro, eu via um infinito sem presente, passado ou futuro.
Senti um abraço forte - já não era medo:
era uma coisa sua que ficou em mim
e que não tem fim.
De repente, a gente vê que perdeu (ou está perdendo)
alguma coisa morna e ingênua
que vai ficando no caminho - que é escuro e frio
mas também bonito, porque é iluminado
pela beleza do que aconteceu...
...há minutos atrás.
Ouça aqui a bela gravação de Ney Matogrosso de "Poema".