terça-feira, setembro 24, 2013

Em ‘The Last Ship’, Sting ‘navega’ distante do pop


CD
The Last Ship (Cherrytree/Interscope/A&M Records)
2013


Ex-Police edita o seu primeiro álbum de inéditas em uma década

Nos últimos dez anos, até que Sting trabalhou um bocado. Em 2004, lançou a sua (excelente) autobiografia, Fora do Tom, e rodou o mundo até o ano seguinte com a turnê batizada com o nome do livro (Broken Music). Em 2006, na companhia do músico bósnio Edin Karamazov, editou Songs From The Labyrinth, o disco de alaúde mais vendido de todos os tempos. Entre 2007 e 2008, realizou uma (surpreendente) turnê mundial ao lado do Police, que acabou gerando CD/DVD/Blu-ray ao vivo, Certifiable. Já em 2009, deixou a barba crescer e lançou o belo e introspectivo If On a Winter's Night..., composto apenas  por canções invernais. Por fim, em 2010, acompanhado por uma orquestra sinfônica, releu o seu cancioneiro em Symphonicities, que também gerou o audiovisual ao vivo Live In Berlin. Entretanto, apenas de tanta labuta, o fato é que o último disco de inéditas do baixista — o bom Sacred Love — chegou às prateleiras em 2003. Há exatos... dez anos (!).

Rompendo o silêncio autoral, Sting — após um processo criativo que lhe rendeu quase três anos (!) de “imersão” — ressurge com The Last Ship, lançado mundialmente hoje, 24 de outubro de 2013. O trabalho, na verdade, é a trilha sonora do musical homônimo, que marcará a sua estreia na Broadway. O tema do espetáculo é a derrocada da indústria naval de Newcastle, sua cidade natal, situada ao norte da Inglaterra, ocorrida na década de 1980. E, embora a peça só entre em cartaz em 2014, o músico, com astúcia, lançou o disco um ano antes, para que o público se “familiarizasse” com as canções — a maior parte delas, de uma forma ou de outra, fala sobre rios, marés, barcos e quetais.

Ambicioso, o álbum está disponível em quatro formatos: CD simples, vinil — ambos com 12 faixas — e CD duplo com 17 ou 20 músicas.



Nenhum sinal do autor de ‘If I Ever Lose My Faith In You’ 

Primeiramente, é essencial frisar que, em The Last Ship, não há o mais remoto vestígio do pop de “If I Ever Lose My Faith In You” ou “Every Breath You Take”. Sendo assim, é recomendável que aqueles que procuram essa faceta do artista mantenham distância segura deste trabalho. O Sting que se faz presente se assemelha, na verdade, ao autor das bucólicas “Fields Of Gold” [1993] e “The Ghost Story” [1999].

Musicalmente, contudo, o disco é bem variado. A épica faixa-título, que abre os trabalhos, apresenta clara influência celta, com direito, inclusive, a gaita de fole — e o instrumento, por sinal, volta a aparecer em “Ballad Of Great Eastern” e na também celta “What Have We Got?”, dueto com o ator-cantor inglês Jimmy Nail. Curiosamente, em vários momentos do álbum, Sting, pela primeira vez em toda a sua discografia, evoca o sotaque típico de Newcastle — o chamado Novocastrian.

No quesito letra, o compositor continua afiado. O acalanto “August Winds”, estruturado em um violão de nylon, remete aos questionamentos dos versos de “Shape Of My Heart” [1993] — inclusive, volta a falar em “máscara”. Já a valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance” é de cortar o coração: conta a estória de um jovem pugilista de 15 anos — com seu “nariz quebrado” e “orelha de couve-flor” — que decide aprender a dançar para conquistar a sua amada. Cole Porter provavelmente aprovaria.

Outro grande momento é a delicada-porém-impactante “I Love Her But She Loves Someone Else”, em que o eu-lírico é um homem de idade avançada que, confrontado com a perspectiva de sua “mortalidade”, relembra o passado e seus revezes. E conclui: “Esqueci o primeiro mandamento do manual do realista: ‘Não se deixe enganar por ilusões que você mesmo criou’...”.



Do início ao fim, alto nível lírico e musical

A primeira faixa de trabalho foi a minimalista “Practical Arrangement”, possivelmente uma das menos óbvias letras românticas já escritas no cancioneiro popular mundial. Já o segundo single de trabalho é a (espirituosa) bossa nova “And Yet”, que conta com discretas (e precisas) intervenções de seu fiel escudeiro, o guitarrista Dominic Miller. Trata-se da melhor música do disco.

Ainda que um tanto hermético, o trabalho mantém, do início ao fim, alto nível lírico e musical. E reafirma que, artisticamente, o único “compromisso” do ex-Police, prestes a completar 62 anos de idade — e ainda com a voz “em dia” — é consigo próprio. Vale lembrar, no entanto, que The Last Ship é uma trilha sonora. Portanto, seria agradável ouvir, depois de tanto tempo, um disco com canções de Sting que não estivessem “vinculadas” a uma determinada temática.



Leia também:




Veja o vídeo da bossa nova “And Yet”, segundo single de The Last Ship, extraído do programa Later... with Jools Holland...





...e também da magnífica valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance”, em vídeo extraído do programa Le Grand Studio, da TV francesa RTL:


Sting, de 2003 a 2013: índice remissivo



Sobre Sacred Love [2003], o último trabalho de inéditas de Sting, escrevi aqui. Sobre Fora do Tom, a excelente autobiografia do cantor, aqui. Para ler sobre Songs from the Labyrinth, álbum de alaúde gravado ao lado do músico bósnio Edin Karamazov, basta clicar aqui

A matéria sobre o histórico show do Police no Estádio do Maracanã encontra-se aqui. Já a análise de If Only a Winter's Night..., disco de “canções de inverno” lançado em 2009, está aqui. E, por fim, a resenha do CD Symphonicities, gravado com o acompanhamento de uma orquestra sinfônica pode ser lida aqui.

Da série ‘Frases’: Nelson Rodrigues

Tenho inveja da burrice porque ela é como a Pedra da Gávea: eterna”.

Do (sempre genial) dramaturgo, jornalista e escritor pernambucano Nelson Rodrigues (1912 — 1980).