Finalmente tive a oportunidade de conhecer a estátua de Renato Russo, inaugurada em 2012 no bairro da Portuguesa, Ilha do Governador, onde o cantor viveu até os seis anos de idade. Criada em bronze sob encomenda da prefeitura do Rio pelo cartunista Ique, possui a altura do cantor (1,75m) e pesa 250 quilos.
Uma homenagem mais do que merecida ao líder da Legião Urbana.
Em um meio artístico dominado pelo egocentrismo e pela antipatia, é fundamental destacar que não há ninguém que, em algum momento, tenha criticado o comportamento de Jerry Adriani, falecido ontem, aos 70 anos. Carinhoso com os colegas e afável com os fãs, foi, ao longo de 53 anos de carreira, um exemplo de caráter e humildade. Um autêntico boa-praça. Uma pessoa do bem. Um espírito elevado.
Existe, aliás, um episódio envolvendo Jerry que é sempre relembrado pelos meus familiares. Há décadas, meu avô paterno dirigia na companhia de minha avó por uma das principais ruas da zona norte do Rio. E, em um determinado momento, levou uma baita “fechada”.
Ainda sem se refazer completamente do susto, ele observou que o autor da imprudência começou a reduzir a velocidade. Quando os dois veículos emparelharam, o motorista se desculpou pelo ocorrido e fez questão de perguntar se estava tudo bem. Era Jerry Adriani em pessoa.
A ele, todo o nosso respeito e admiração. E não apenas como artista, mas, principalmente, como ser humano. Descanse em paz.
Quando a Legião Urbana gravou o seu primeiro álbum, em 1984, o público e a crítica perceberam a (inegável) semelhança entre as vozes de Jerry Adriani e Renato Russo. Em 1999, Jerry homenageou Renato – que falecera três anos antes – com o (belo) álbum Forza Sempre, no regravou sucessos da Legião vertidos para o italiano:
No dia em que Renato Russo, falecido em 1996, completaria 57 anos, seus fãs receberam uma grata surpresa. “Apóstolo São João”, letra inédita do músico, vem à luz do dia pelas mãos da Urbana Legion, banda cover da Legião Urbana formada em 2014. A faixa é um dos cinco manuscritos que o quarteto recebeu de Giuliano Manfredini, filho de Renato.
O rascunho não tinha data. Contudo, pelas referências bíblicas (“Números, Romanos, Atos e Juízes / Êxodo e Provérbios / o Apocalipse do Apóstolo São João”), presume-se que foi escrito no período de As Quatro Estações [1989], quarto álbum da Legião. A faixa não se compara a clássicos como “Tempo Perdido” ou “Índios”. No entanto, o grupo acertou em musicar a letra respeitando o estilo da Legião. Ponto para eles.
O vídeo, por sua vez, tem um detalhe que pode emocionar os “órfãos” de Renato: foi gravado no apartamento do músico, na rua Nascimento Silva, 378, Ipanema, que permaneceu fechado durante os últimos... 20 anos (!).
As outras quatro letras inéditas do líder da Legião Urbana estão sendo musicadas e serão lançadas em single ao longo dos meses – podendo vir a compor um EP.
Há exatos 20 anos, no dia 11 de outubro de 1996, morria Renato Russo. Lembro exatamente onde eu estava e como recebi a notícia – através de um telefonema. “Tom, sabe quem morreu?” Pensei por alguns segundos e respondi com outra pergunta, com receio do que iria ouvir: “Renato Russo?” Após uma breve pausa, veio a lacônica confirmação: “Sim”. Recordo-me de ficar paralisado com o telefone colado ao ouvido, sem conseguir pronunciar uma única palavra. Seis anos após o falecimento de Cazuza, novamente tive a triste sensação de que, naquele momento, uma parte importante da minha adolescência havia ido embora com ele. Para sempre.
Cerca de duas semanas antes, eu havia comprado aquele que veio a ser o último álbum da Legião Urbana lançado em vida por Renato, A Tempestade Ou O Livro Dos Dias. Já na primeira audição, observei a melancolia de letras como “A Via Láctea” (“Hoje a tristeza não é passageira / hoje fiquei com febre a tarde inteira”), “Música Ambiente” (“E, quando eu for embora, / não, não chore por mim”) e “O Livro dos Dias” (“Meu coração não quer deixar meu corpo descansar”). A voz fragilizada e a opção por colocar fotos de arquivo no encarte do CD eram claros indícios de que algo não ia nada bem com ele. Mas, no fundo, eu não queria acreditar.
É difícil descrever a importância que a obra de Renato Russo teve nos meus chamados anos de formação. A exemplo do que ocorrera com milhares de pessoas da minha faixa etária, ele simplesmente dizia tudo o que eu precisava ouvir naquele momento. Foi contundente ao criticar as mazelas do país (“Perfeição” e “Que País É Esse?”), ao falar do conflito de gerações (“Geração Coca-Cola”), abordou questões existenciais (“Índios” e “Tempo Perdido”) e, acreditem, conseguiu fazer o Brasil inteiro decorar uma letra de dez minutos de duração (afinal, todo mundo sabia cantar “Faroeste Caboclo” de cor). Mas também soube ser bem-humorado (“Eduardo e Mônica”) e falar de amor em todas as suas vertentes (“Monte Castelo” e “Pais e Filhos”).
Nos últimos 20 anos, não surgiu um artista brasileiro que se equiparasse com o líder da Legião Urbana. Com todo o respeito: nenhum chegou sequer perto disso. Pela qualidade de sua poesia e pela forma como conduziu a sua carreira – ignorando as fórmulas de marketing da indústria musical –, ouso dizer que jamais haverá alguém como ele. Renato Russo foi, é e sempre será... único.
Antes de qualquer coisa, preciso dizer que não dei a mínima para a apresentação do Queen com Adam Lambert no Rock In Rio. Após a banda ter tentado substituir Freddie Mercury com Paul Rodgers — um baita cantor cujo estilo, porém, não se adequava ao grupo —, imaginei que o novo vocalista seria mais um "tiro na água".
Contudo, os comentários positivos de quem conferiu o show — alguns, por sinal, bastante entusiasmados — acabaram me deixando curioso...
Uma semana depois, assisti à performance da Brian May, Roger Taylor e companhia. E tenho que reconhecer que fiquei simplesmente... extasiado com o que vi e ouvi. Já não me lembrava o quanto gostava desses caras. May e Taylor continuam impecáveis em seus respectivos instrumentos, desfiando um repertório irretocável. Mas a grande surpresa da noite foi... Adam Lambert.
A responsabilidade sobre os ombros do americano de 33 anos era enorme: suceder ninguém menos do que um dos melhores vocalistas de rock de todos os tempos — à altura de outra realeza: Elvis Presley —, no mesmo palco onde, há exatas três décadas, o Queen fez história.
Nada disso, entretanto, pareceu intimidar Lambert. Além de possuir um material vocal excepcional, o intérprete mostrou muita personalidade e, com inteligência, fugiu da imitação de Freddie. Com uma atuação extravagante — e assumidamente gay —, conseguiu o que provavelmente ninguém poderia prever: fazer com que a Cidade do Rock gritasse o seu nome a plenos pulmões.
Durante duas horas, a banda passeou por praticamente todo o seu catálogo, executando com maestria hits dos anos 1970 — como "Don't Stop Me Now", "We Will Rock You" e "Somebody To Love" — e dos anos 1980 — como "Radio Ga Ga", "A Kind Of Magic" (com o autor da faixa, Roger Taylor, nos vocais) e "I Want To Break Free" —, sem esquecer canções dos anos finais de Mercury, como "I Want It All" e "The Show Must Go On". Em "Love Of My Life", a imagem de Freddie apareceu no telão, relembrando o momento mágico de 1985.
O grand finale, porém, não poderia ser outro: a arrasadora "Bohemian Rhapsody", que também contou com a imagem do vocalista no telão, emocionando a todos.
Há quem diga que "ninguém é insubstituível". Tenho minhas dúvidas. Os Beatles jamais poderiam prosseguir sem John Lennon ou Paul McCartney. Assim como seria um absurdo se a Legião Urbana entrasse em estúdio sem Renato Russo. Da mesma forma, se o Queen decidisse gravar um álbum de inéditas — o que considero improvável — iria macular a sua vitoriosa trajetória.
Por outro lado, não vejo como oportunismo o fato de Adam Lambert excursionar à frente do grupo. Pelo contrário: o jovem presta uma digna e respeitosa homenagem à memória de Freddie Mercury. Tanto os fãs de primeira hora quanto as novas gerações merecem continuar ouvindo ao vivo as imorredouras canções de uma das maiores bandas de sempre.
Veja o vídeo de "Radio Ga Ga", gravado no Rock In Rio:
Com todo respeito a Ary Barroso e a sua imorredoura “Aquarela do Brasil” — merecidamente considerada o “hino extra-oficial brasileiro” —, provavelmente nenhuma outra canção foi capaz de retratar o País (com o perdão da redundância) de modo tão perfeito do que “Perfeição”, da Legião Urbana.
Em sua letra discursiva, com clara influência do rap — Renato Russo revelou que o groove da faixa foi trazido ao estúdio pelo baterista Marcelo Bonfá em uma fita K7 —, nada escapa aos olhos de águia do líder da banda. A “estupidez do povo”, que, “a cada fevereiro e feriado” comemora “como idiotas”, sem necessariamente ter motivos para tal. A “violência” (“O meu país e sua corja de assassinos covardes / estupradores e ladrões”). A “desunião” da população. O “descaso por educação”. O estado deplorável da saúde pública (“Os mortos por falta de hospitais”). A crueldade da Previdência Social brasileira (“...a nossa gente / que trabalhou honestamente a vida inteira / e agora não tem mais direito a nada”).
Também apontou problemas estruturais (“a água podre”), sociais (“a fome”), ambientais (“queimadas”) e as mazelas inerentes à natureza humana (a “hipocrisia”, a “inveja”, a “indiferença” e as “mentiras”). E, embora tenha lembrado que, apesar de tudo, existe algum patriotismo (“Vamos cantar juntos o Hino Nacional / a lágrima é verdadeira”), não poupou de crítica sequer... a si próprio (“Também podemos celebrar / a estupidez de quem cantou essa canção”).
Outro trecho digno de registro: “Vamos celebrar nossa bandeira”. Entre os “absurdos gloriosos” do passado a que o autor se refere, certamente se encontra a própria Proclamação da República — na verdade, um golpe militar. E vale frisar que, naquele momento, a família Real não apenas foi apeada do poder, como também banida do Brasil para sempre, além de ter todos os seus bens confiscados e, posteriormente, leiloados. Ou seja, naquele momento, o País saiu de um regime absolutista (a Monarquia) para ser governado por dois ditadores (os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). E, a cada ano, a data é feriado nacional...
“Perfeição” foi lançada em 1993. Portanto, é um desalento constatar que, decorridos 21 anos, seus versos continuam tristemente atuais. E que, para nos tornarmos, de fato, uma nação, ainda há muito, muito a ser realizado.
A evocação aos mitos gregos também não foi gratuita: a menção a Eros e Thanatos (o Amor e a Morte) trata-se de uma menção velada à sua condição de soropositivo. E Perséfone e Hades representam, no caso, a chamada “síndrome de Estocolmo” — o estranho e inexplicável apego por alguém que lhe fez/faz mal.
Já nas duas estrofes finais da canção — que citam a melodia de “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, imortalizada na voz de Elis Regina —, o cantor nos deixa uma mensagem de esperança (“Nosso futuro recomeça”). E exalta a verdade (“Só a verdade liberta / chega de maldade e ilusão”), remetendo-nos imediatamente ao Evangelho de João (8:32): “Conhecereis a verdade. E a verdade vos libertará”.
Parceria dos supracitados Russo e Bonfá com o guitarrista Dado Villa-Lobos, “Perfeição”, eterna obra-prima do rock nacional, integra o álbum O Descobrimento do Brasil [no detalhe, a capa], sexto e antepenúltimo álbum de estúdio da Legião Urbana.
“...ah, but I was so much older then / I'm younger than that now...”
O curioso verso de Bob Dylan sobre “rejuvenescimento” está incluído em “My Back Pages”, faixa de Another Side of Bob Dylan, lançado pelo bardo americano em 1964. E também foi citado no encarte de O Descobrimento do Brasil [1993], penúltimo álbum da Legião Urbana.
Entre os convidados do programa Altas Horas do último sábado, 17, estava Cid Moreira. E o ex-apresentador do Jornal Nacional protagonizou um dos momentos mais tocantes que já tive o prazer de assistir na televisão brasileira em muito tempo.
Com a voz ainda impecável – a despeito da passagem dos anos –, Cid declamou, brilhantemente, uma tradução livre do capítulo 13 da Carta de São Paulo aos Coríntios, um dos livros do Novo Testamento.
No final, a plateia majoritariamente jovem aplaudiu, embevecida. De pé. Creio que nem uma pedra ficaria indiferente àquele instante.
Logo no dia seguinte, o vídeo foi postado no You Tube. Peço licença para colocá-lo aqui no TomNeto.com. Para que fique permanentemente registrado neste espaço.
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Curiosidade: Renato Russo [foto] musicou parte deste mesmo trecho da Bíblia – misturado ao “Soneto 11”, de Luís de Camões – na sua “Monte Castelo”, originalmente lançada no CD As Quatro Estações, de 1989, da Legião Urbana.
Veja o vídeo de Cid Moreira declamando o capítulo 13 da Carta de São Paulo aos Coríntios...
...e ouça a gravação original de “Monte Castelo”, da Legião Urbana.
O disc-jockey, poeta e jornalista carioca Júlio Barroso [foto] foi, sem dúvida, a grande promessa não-cumprida do rock nacional.
Gravou, em 1983, um único disco com à frente da Gang 90, Essa Tal de Gang 90 & as Absurdettes, com o qual emplacou três hits: a ótima “Nosso Louco Amor” (tema da novela Louco Amor, de Gilberto Braga, exibida naquele mesmo ano), “Perdidos na Selva”* (regravada, com sucesso, pelo Barão Vermelho, em 1996), e “Telefone” (que recebeu, em 1999, uma versão do Ira!, com participação de Fernanda Takai).
Barroso morreu no dia 06 de julho de 1984, aos 30 anos, ao cair da janela de seu apartamento – no 11º andar –, em São Paulo, em circunstâncias não esclarecidas até hoje. Fica a certeza de que seria um ídolo da envergadura de Renato Russo, Cazuza e Lobão, se a vida não tivesse lhe escapado tão precocemente.
* Curiosidade: “Perdidos na Selva” é uma parceria de Julio Barroso com... Guilherme Arantes. Entretanto, o festival MPB Shell não permitia que um autor concorresse com duas canções. Sendo assim, Arantes, que na edição de 1981 já defendia “Planeta Água” – que terminou na segunda colocação –, abriu mão da autoria de “Perdidos na Selva”.
A Rolling Stone Brasil desse mês [no detalhe] publicou a lista dos 100 maiores músicos do Brasil, na opinião de 70 jornalistas. Deu Antônio Carlos Jobim na cabeça, seguido por João Gilberto e Chico Buarque.
Listas são sempre discutíveis. E essa não será diferente. Afinal, Jorge Ben (de quem eu até gosto), ficar em quinto, na frente de Roberto Carlos (sexto lugar)? Chico Science (16º), em melhor colocação do que Milton Nascimento (20º), Renato Russo (25º), Cazuza (34º) e Erasmo Carlos (37º)? Mano Brown (28º) na frente de Lulu Santos (46º), Nelson Gonçalves (60º) e Herbert Vianna (83º)?
A Rede Globo exibiu ontem a segunda edição do programa Por Toda a Minha Vida, dessa vez dedicado à vida e à obra de Renato Russo - o primeiro, que foi ao ar em dezembro, focalizava a trajetória de Elis Regina. Com apresentação de Fernanda Lima, o especial novamente misturou reportagem (com depoimentos de Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Dinho Ouro-Preto, entre outros) e dramaturgia (o líder da Legião Urbana foi interpretado pelo ator Bruce Gomlesvky - que, aliás, vive o cantor no teatro).
E o programa serviu para que eu revivesse um pouco do impacto que a música da Legião Urbana exerceu sobre mim, na adolescência. Renato Russo foi um artista absolutamente singular. E faz muita, muita falta.
A título de curiosidade, reproduzo aqui, ipsis litteris, o post na comunidade Tela em Branco, do Orkut, na qual relato o dia em que a Legião me arrebatou de modo irreversível:
“EM 1987, eu, um moleque de 13 anos (prestes a fazer 14) estava na casa de um amigo. Nesse dia, o cara me perguntou: 'Tom, vc conhece a Legião Urbana?'. 'Conheço uma música ou outra', responde esse babaca que vos escreve. Ele, então, me entrega o encarte de um vinil e diz: 'vou colocar um negócio pra vc escutar'. Mas advertiu: 'só leia o verso depois que o cara cantar, valeu?'. E eu fui ouvindo, ouvindo. Quando a faixa acabou, eu estava simplesmente... EMBASBACADO.
“A canção era 'Faroeste Caboclo', faixa integrante do recém-lançado Que País é Este?.“Claro, eu já tinha ouvido 'Eduardo & Mônica', 'Será', 'Ainda é Cedo', mas somente no rádio, de maneira desatenta. Mas 'Faroeste...' me arrebatou de uma forma... irremediável. Quando começou a fazer sucesso (apesar de seus quase 10 minutos de duração, incomuns para o padrão radiofônico), não me surpreendi nem um pouco. Era merecido: tratava-se de uma obra-prima.
“Engraçado que, uma semana depois, era o meu aniversário e esse amigo chegou lá em casa todo sem-graça: 'Pô, foi mal... eu estou sem grana e não pude comprar nada melhor... '. E me entregou uma fita K7 virgem - que, naquela época, tinha uma serventia enorme... Na mesma hora, me deu um click: 'cara, essa fita vai voltar pra casa contigo. Tu vai me gravar Legião Urbana nela... '.
“E esse K7 foi a trilha sonora da minha vida durante uns bons meses. Pouco depois, eu parti para comprar, de uma só vez, os três LPs q a banda havia lançado até então. De modo que a Legião Urbana teve um papel importantíssimo no meu chamado 'período de formação', e marcou a minha vida para sempre - assim como a da minha geração praticamente inteira.
'...somos pássaro novo longe do ninho...'”
Em tempo: leia o artigo que escrevi sobre os dez anos do álbum Doisclicando aqui.