quinta-feira, dezembro 17, 2020

A última entrevista de Clarice Lispector

 

No centenário de Clarice Lispector, uma das mais importantes escritoras brasileiras – pouco importa ter nascido na Ucrânia –, vale a pena ver a única entrevista concedida por ela em vídeo. Quando assisti pela primeira vez, há alguns anos, fiquei deveras impressionado.

Lispector sempre passou a imagem de uma jovem senhora sisuda, quiçá antipática. Contudo, a entrevista desfaz totalmente a impressão equivocada. 

De fato: ela praticamente não ria. Mas só porque era tímida. E era também simples. Sincera. Um tanto melancólica. E muito, muito sábia.

Aliás, sem saber do câncer no útero que a levaria à morte dez meses da entrevista, a escritora, em um determinado momento, declarou:

— Só estou triste porque estou cansada.

Em um trecho bastante interessante, a autora de "A Hora da Estrela" afirma:

— Eu não sou uma profissional. Eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. 

Outra curiosidade: ela revelou que, nos intervalos entre um projeto e outro, ela se sentia "morta". E soando inegavelmente profética, declarou:

— Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

Nos bastidores, solicitou ao repórter Júlio Lerner que a entrevista só fosse divulgada após a sua morte. Foi atendida.

Sua obra, todavia, continua viva. E sempre conquistando novos e entusiasmados leitores.


40 anos sem John Lennon

 

08 de dezembro de 1980: embora eu fosse uma criança em fase pré-escolar, lembro com nitidez do dia em que John Lennon morreu. Incrível como certos eventos nos marcam para sempre. 

Sempre tive restrições à pessoa de Lennon – embora a última entrevista tenha mostrado um indivíduo bastante sereno; é provável que o nascimento do segundo filho tenha feito bem a ele. Mas o compositor é inconteste. 

Tem feito muita falta nos últimos 40 anos.


terça-feira, maio 05, 2020

Aldir Blanc (1946 — 2020)


Falecido ontem, aos 73 anos, o carioca Aldir Blanc figurava indiscutivelmente entre os cinco melhores letristas brasileiros. Conhecido especialmente pelas parcerias com João Bosco — várias delas imortalizadas na voz de Elis Regina —, Blanc foi coautor de sucessos de Nana Caymmi, Leila Pinheiro, MPB-4 e Roupa Nova, entre outros. 



Parceria com Cristóvão Bastos, “Resposta ao Tempo” é a faixa-título do álbum lançado por Nana Caymmi em 1998 — e uma das mais belas gravações da cantora. Naquele mesmo ano, foi a música-tema da minissérie Hilda Furacão.


 

Em 1996, Leila Pinheiro gravou um disco inteiro com composições de Guinga e Aldir Blanc. A faixa-título, Catavento e Girassol retrata, com rara sensibilidade e pitadas do mais fino humor, um casal que não tem absolutamente nada a ver um com o outro. Uma obra-prima.


 

Era de Aldir Blanc a autoria da letra de A Viagem, uma das mais tocantes gravações do Roupa Nova, interpretada magistralmente pelo vocalista/baterista Sérgio Herval. Música-tema da novela homônima [1994], a canção fala sobre um amor que desafia planos existenciais. 





Blanc também escreveu os versos de outro grande sucesso do Roupa Nova: Coração Pirata”. Violões, cordas e um refrão pungente asseguram o tom épico da faixa, que integrou a trilha sonora da novela Rainha da Sucata.




Dois pra Lá, Dois pra Cá foi uma das mais marcantes composições de João Bosco e Aldir Blanc gravadas por Elis Regina. Pasmem: um bolero que, sem pudor algum, cita La Puerta no final. A letra é cinematográfica: em meio a um porre de whisky com guaraná, a protagonista lembra da noite em que dançou com o seu amado, apesar do incômodo de um torturante band-aid no calcanhar.




Dentre todas as parcerias de João Bosco e Aldir Blanc gravadas por Elis Regina, O Bêbado e o Equilibrista” foi, sem dúvida alguma, a mais emblemática. A interpretação da Pimentinha potencializa a carga emocional dos versos que retratam o período em que a canção foi lançada — 1979, seis meses antes da promulgação da Lei de Anistia.