sexta-feira, abril 23, 2010

Jobim, por eles e elas


CDs
Aqui Tem Tom - Volumes 1 e 2 (Som Livre)
2010


Os dois volumes da compilação ‘Aqui Tem Tom’ alternam, como de praxe, bons e maus momentos

Passados quinze anos de seu desaparecimento, ocorrido no dia 08 de dezembro de 1994, a atemporal obra de Antônio Carlos Jobim – mesmo sem ter a sua grandiosidade plenamente reconhecida – continua sendo revista e cultuada. Prova disso é a compilação Aqui Tem Tom, disponível em dois volumes – vendidos separadamente –, que chega às prateleiras via som Livre.

Muitas vezes, all star tributes são verdadeiros balaios de gato. Contudo, ao lado de deslizes típicos de projetos desta natureza, Aqui Tem Tom apresenta bons momentos.


Acompanhada por Hélio Delmiro, Calcanhotto brilha

O volume 1, inteiramente dedicado a intérpretes femininas, consegue, no frigir dos ovos, um bom aproveitamento. Tem Maria Bethania, à vontade, em “Anos Dourados”. Tem Nana Caymmi, transformando “Insensatez” em uma canção sua. Tem Joyce, perfeita, em “Discussão”. E tem Elis Regina, introspectiva, em “Sabiá”.

Mas, por outro lado, tem Gal Costa – embora afinadíssima como sempre – errando a letra de “Se Todos Fossem Iguais a Você” (em vez de “a sua vida / é uma linda de amor”, a baiana cantou “vai, sua vida / é uma linda de amor”). Tem Isabella Taviani lutando contra a própria grandiloquência – e eventualmente perdendo – em “Caminhos Cruzados”. E Beth Carvalho concedendo ao clássico “Chega de Saudade” um inadequado acento sambão joia.

Tais deslizes, entretanto, não chegam a comprometer o trabalho, que também traz Fernanda Takai, Roberta Sá e Paula Toller, corretas em “Estrada do Sol”, “Brigas Nunca Mais” e “Por Causa de Você”, respectivamente.

O grande destaque, porém, é Adriana Calcanhotto, acompanhada pelo violonista Hélio Delmiro, na bela versão de “O Amor em Paz”, gravada para o CD 3 do Songbook Vinícius de Moraes, idealizado pelo falecido produtor Almir Chediak.


Ouça “O Amor em Paz”, com Adriana Calcanhotto...


...e “Sabiá”, com Elis Regina:



Djavan e a versão definitiva de ‘Correnteza’

Já o volume 2, que conta apenas com vozes masculinas, tem como trunfos, por exemplo, a versão delicada de Caetano Veloso para “Eu Sei que Vou te Amar” – que cita “Dindi” e “De Você, Eu Gosto” – e o saudoso Tim Maia, na companhia dos d'Os Cariocas, em uma boa versão de “Ela É Carioca”. Mas, de um modo geral, fica inegavelmente aquém de seu correlato.

Lenine, por exemplo, nada acrescentou à obra-prima “Wave” – será que o temperamental João Gilberto não autorizou que a sua versão fosse incluída neste projeto? Igualmente inexpressiva – ainda que esforçada – é a releitura de “Waters of March”, versão anglófona de “Águas de Março”, cometida por Art Garfunkel, metade do extinto duo com Paul Simon.

Sem contar a insuportável versão de Sergio Mendes e will.i.am para o ótimo tema “Surfboard”.

Mas nem tudo está perdido: há também Djavan, na versão definitiva de “Correnteza”. Há o swing de Wilson Simonal em “Só Tinha de Ser com Você” – que, contudo, não supera a (insuperável) gravação de Elis Regina, do álbum Elis & Tom (1974). Há Ed Motta, acompanhado ao piano por Daniel Jobim, saindo-se muito bem na intrincada melodia de “Por Toda a Minha Vida (Exaltação ao Amor)”.

Há também Chico Buarque, convincente no ancestral registro de “Retrato em Branco e Preto (Zíngaro)” – cuja letra, por sinal, foi escrita pelo próprio Chico. E, como curiosidade, há um mergulho nas raízes gaúchas, na pouco conhecida “Rodrigo, Meu Capitão”, parceria de Jobim com Ronaldo Bastos, originalmente lançada na trilha sonora de O Tempo e o Vento, na voz de Zé Renato.


Ouça “Eu Sei que Vou te Amar”, com Caetano Veloso...



...e “Por Toda a Minha Vida (Exaltação ao Amor)”, com Ed Motta:



Ideal para neófitos

Os dois volumes de Aqui Tem Tom oferecem, portanto, um pequeno aperitivo do vasto cancioneiro do autor de “Garota de Ipanema” – curiosamente, a canção está ausente de ambos os CDs. Sendo assim, acabam sendo uma boa pedida para os neófitos.

Contudo, para quem quer realmente se aprofundar nos originais do Maestro Soberano, ficam algumas dicas: os ótimos Elis & Tom (1974) e Terra Brasilis (1980), o derradeiro Antônio Brasileiro (1994), a compilação – editada para o mercado americano – Finest Hour (2000), além do excelente Inédito, gravado ao vivo no estúdio em 1987.

Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Correnteza’, de Antônio Carlos Jobim


“...mas nem tudo está perdido: há também Djavan, na versão definitiva de ‘Correnteza’...”


Tenho que confessar: quando ouvi, na década de 1990, a versão que Djavan gravou para “Correnteza”, pensei que o autor fosse o próprio músico alagoano.

Escrita a quatro mãos por Antônio Carlos Jobim e Luiz Bonfá, foi lançada originalmente no álbum Urubu, de 1976. Sem querer “rasgar seda”: a versão de Jobim é ótima.

Mas a de Djavan é realmente a definitiva.

Além da boa melodia, a letra, cinematográfica, traz versos interioranos, à la Guimarães Rosa, de rara beleza. Fechando os olhos, é possível “visualizar” todas aquelas imagens. As flores sendo levadas pelo rio. A fruta madura que cai da ingazeira. A chuva torrencial que veio das montanhas. O gado caminhando no barro. O sol brilhando por entre as serras. E a moça vindo na beira da estrada.

Dado o meu apreço por mato e estrada – mesmo sendo um homem “de cidade grande” –, “Correnteza” é uma das cinco canções que mais gosto na vida. Simples assim.


Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Wave’, de Antônio Carlos Jobim

“...será que o temperamental João Gilberto não autorizou que a sua versão fosse incluída neste projeto?”
Desde o seu lançamento, como faixa-título do álbum que Antônio Carlos Jobim editou em 1967, “Wave” já recebeu inúmeras versões. Algumas delas brilhantes, como a do próprio Jobim em seu CD Inédito, de 1987. Sendo assim, é dificílimo – senão impossível – apontar a melhor de todas.

Mas não resta dúvida de que o brilhante registro de João Gilberto [foto] é um fortíssimo candidato.

Faixa do (ótimo) álbum Amoroso, de 1977 [já falei sobre ele aqui], a gravação de João foi arranjada pelo alemão Clare Fischer, que soube unir, com maestria, cordas e bateria ao que JG possui de inigualável: seu violão e sua voz. Um primor.

Se me pedissem para ilustrar, com uma canção, a paisagem entre as Pedras do Arpoador e a praia do Leblon, esta seria a escolhida. E precisamente nesta versão.


***

Curiosidade: escrevi sobre a criação de “Wave” aqui mesmo no blog, em um post de outubro de 2008, que pode ser lido clicando aqui.


Da série ‘São Bonitas as Canções’: ‘Surfboard’, de Antônio Carlos Jobim


“....sem contar a insuportável versão de Sergio Mendes e will.i.am para o ótimo tema ‘Surfboard’...”

(“Jobim, por eles e elas”)


Tirem as suas próprias conclusões. Na minha modesta opinião, algumas regravações mereciam pagar multa...




A versão de “Surfboard” de Sergio Mendes e will.i.am, do CD Timeless (2006)...




...e a versão de “Surfboard” do próprio Jobim, incluída em seu último álbum, Antônio Brasileiro (1994)...


segunda-feira, abril 19, 2010

O que Cid Moreira e Renato Russo podem ter em comum?

Entre os convidados do programa Altas Horas do último sábado, 17, estava Cid Moreira. E o ex-apresentador do Jornal Nacional protagonizou um dos momentos mais tocantes que já tive o prazer de assistir na televisão brasileira em muito tempo.

Com a voz ainda impecável – a despeito da passagem dos anos –, Cid declamou, brilhantemente, uma tradução livre do capítulo 13 da Carta de São Paulo aos Coríntios, um dos livros do Novo Testamento.

No final, a plateia majoritariamente jovem aplaudiu, embevecida. De pé. Creio que nem uma pedra ficaria indiferente àquele instante.

Logo no dia seguinte, o vídeo foi postado no You Tube. Peço licença para colocá-lo aqui no TomNeto.com. Para que fique permanentemente registrado neste espaço.


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Curiosidade: Renato Russo [foto] musicou parte deste mesmo trecho da Bíblia – misturado ao
“Soneto 11”, de Luís de Camões – na sua “Monte Castelo”, originalmente lançada no CD As Quatro Estações, de 1989, da Legião Urbana.


Veja o vídeo de Cid Moreira declamando o capítulo 13 da Carta de São Paulo aos Coríntios...


...e ouça a gravação original de “Monte Castelo”, da Legião Urbana.

Algo de podre no reino – ou ‘Império’ – da Gávea


Bem, como todos sabem, o Botafogo sagrou-se campeão carioca de 2010, ao vencer o Flamengo, ontem no Maracanã, por 2 a 1. E, sem tirar o mérito do time de General Severiano, qual a lição que o clube rubro-negro pode tirar desse episódio? De que, parafraseando Shakespeare, há algo de podre no reino* – ou, se preferirem, “Império” – da Gávea.

O elenco está, como se diz em linguagem boleira, “rachado”. E quando isso ocorre, as coisas não costumam funcionar dentro de campo. Até os garotos da escolinha de futebol devem saber disso.

Um exemplo claro da desunião entre os jogadores ocorreu durante o Carnaval. O meia sérvio Petkovic insistiu para que o time treinasse na parte da manhã. Recebeu de um companheiro – diga-se de passagem, um zagueiro absolutamente medíocre – a seguinte resposta:

– Olha, Pet, quando você encerrar a carreira – o que não está muito longe de acontecer [nota: Petkovic tem 38 anos de idade] –, e virar técnico, você manda o seu time treinar de manhã, certo? Nós vamos treinar à tarde.


***


E além da desunião, existem também os problemas disciplinares – por sinal, desde a “era Romário”, a Diretoria do Flamengo se caracteriza pela postura “permissiva” diante de seus atletas. Todos sabem que, atualmente, Fulano, Beltrano e Baiano desfrutam de certos... er, privilégios. E a pergunta é: que benefício isso tem trazido para o clube?

É inadmissível que um atleta ganhe um salário astronômico e dispute apenas 12 (!) das 23 partidas do time este ano. Por motivo de lesão? Nem sempre. Na maioria das vezes, é por estar longe de sua melhor forma. E por que isso ocorre? Falta de treinamento, claro. E qual a explicação para sucessivas faltas aos treinos? Provavelmente, “ressaca”.

Isso sem contar o inacreditável pedido de dispensa – de dois (!) jogos – para “esfriar a cabeça” na Região dos Lagos, depois de ter saído no tapa com a namorada dentro da favela. Ah, faça-me o favor. Cadê o profissionalismo?

Já imaginaram se todos os trabalhadores desse país que passam por turbulências pessoais pedissem uma folga nos seus respectivos empregos?

E ainda quer ir para a Copa do Mundo desse jeito? E é bem provável que acabe indo – afinal, nem sempre a Seleção é convocada por critérios exclusivamente técnicos...



* No detalhe, a Hadrian's Wall – que recebeu este nome em homenagem ao Imperador Romano que determinou a sua construção –, situada ao norte da Inglaterra, aproximadamente na fronteira com a Escócia.

A camisa azul e amarela (!) do Flamengo

Em dezembro de 2009, fui informado, através da imprensa, de que o Conselho Deliberativo do Flamengo havia aprovado as camisas para a temporada 2010. Inclusive a número três, que teria o mesmo design da camisa principal, só que nas cores... azul e amarelo (!).

Quatro meses se passaram e, como não ouvi/li mais nada a respeito, julguei tratar-se de um boato. Até que, totalmente ao acaso, vi a imagem que vazou na web na semana passada.


A Diretoria estabeleceu, entretanto, que o uniforme em questão só poderá ser utilizado pela equipe fora do Estado do Rio de Janeiro. E em um intervalo mínimo de 30 dias.

Bem, não posso negar que a camisa é bonita. Mas confesso que ainda preciso me acostumar com ela...

terça-feira, abril 13, 2010

George Michael: o (quase) Rei do Pop


DVD
Live In London (Sony Music)
2010



Em seu primeiro DVD, cantor mostra que poderia ter ido ainda mais longe – se não fossem os percalços

Em 1987, ao lançar Faith, seu primeiro álbum após o fim do duo Wham!, George Michael simplesmente quebrou tudo. Vendeu quinze milhões de cópias e gerou singles de sucesso como “I Want Your Sex”, “Kissing a Fool” e a faixa-título, entre outros. Foi, provavelmente, a mais séria ameaça ao reinado pop de Michael Jackson. George, entretanto, tinha outros planos para seu segundo disco solo.

Lançado em 1990, Listen Without Prejudice, é um trabalho introspectivo, no qual o artista tentou se desvencilhar da imagem de sex symbol. Tal “insolência” causou insatisfação na sua então gravadora, a Sony Music, e uma ação judicial que deixou o cantor “na geladeira” durante seis anos. Somem-se a isso os recentes escândalos (homos)sexuais, e pode-se ter uma ideia do quão... er, turbulenta tem sido a trajetória de GM.

De modo que o seu primeiro DVD, o duplo Live In London, também disponível em blu-ray – mas não em CD –, acaba colocando as coisas “nos seus devidos lugares”. Gravado nos dias 24 e 25 de agosto de 2008 (!), o espetáculo fez parte da turnê 25 Live – anunciada como a última de sua carreira –, que promoveu a coletênea Twenty Five.

Na arena londrina de Earls Court absolutamente lotada, George Michael, acompanhado de um impecável aparato de som, luzes e telões, resumiu a sua discografia de maneira generosa. E o show começa o pé direito, com a bela “Waiting (Reprise)”: a canção (“Há um caminho de volta para todo homem / Por isso estou aqui (...) / Será tarde demais para tentar de novo? / Aqui estou eu”) é entoada em off até o último verso, quando o cantor faz a sua entrada triunfal.

O repertório incluiu desde hits do Wham! – como “Everything She Wants”, “I'm Your Man” e até o seu maior êxito, a renegada “Careless Whispers”, que ele recusou-se a cantar ao vivo durante anos – até os seus sucessos solo – como “Freedom '90” e “Fastlove”. E não esqueceu (boas) faixas recentes como “Amazing”, “Flawless (Go To The City)” e “My Mother Had a Brother”, que fala sobre o tio de George – também gay –, que suicidou-se exatamente no dia em que ele nasceu.


Em ‘Shoot The Dog’, o momento polêmico do show

Um tanto distante da imagem de galã – não ostenta mais o topete de vinte anos atrás –, George Michael ainda é um grande artista em cima de um palco. Experiente – tinha 45 anos na ocasião da gravação –, teve astúcia para alternar números dançantes, como “Too Funky” e “Outside” – na qual, a exemplo do debochado clipe, vestiu-se de policial –, com momentos mais suaves, como as tristonhas “A Different Corner”, seu primeiro single solo, e “You Have Been Loved”, que mostra no telão imagens de pessoas próximas ao cantor que já faleceram.

Como intérprete, ainda mostra grande competência. Mas claramente passou a evitar os falsetes – outrora uma de suas marcas registradas...

Destaque para a lânguida “Father Figure”, a arrepiante versão gospel de “One More Try” – que já havia sido lançada como lado B de um single em 1996 – e uma versão demolidora de “Spinning The Wheel”, que não deixou pedra sobre pedra. Em “Shoot The Dog”, o momento polêmico do show: um cachorro inflável “vestido” com as cores da bandeira do Reino Unido parece fazer sexo oral em um enorme boneco (igualmente inflável) de George W. Bush...

No DVD 2, há o documentário I'd Know Him a Mile Off, que mostra os bastidores da turnê, além de três faixas bônus: “Precious Box”, “Jesus To A Child” e “First Time Ever”.

Em suma, Live In London é um excelente DVD de um autor pop – digam o que disserem – do calibre de um Elton John. E que faz pensar aonde George Michael poderia ter chegado, se não fossem os... tropeços. Para coroar sua “volta por cima”, falta apenas um álbum de inéditas, o primeiro desde Patience, de 2004. Mas, talvez, isso seja pedir demais...



Veja os vídeos de “A Different Corner”...



...da versão “gospel” de “One More Try”...



...de “Father Figure”...




...e de “Spinning The Wheel: