Nem todos sabem, mas parte da letra de “Lígia”, clássico de Antonio Carlos Jobim, foi escrita por ninguém menos do que... Chico Buarque. Foi, aliás, o próprio Chico quem revelou, em um entrevista concedida em 1996.
Tendo sido parceiros em outras canções — como “Retrato em Branco e Preto” e “Pois É”, entre outras —, Jobim procurou Chico com a primeira parte da letra de “Lígia” já pronta (“Eu nunca sonhei com você / nunca fui ao cinema / não gosto de samba / não vou à Ipanema / não gosto de chuva / nem gosto de sol”). A segunda parte, contudo, traz nitidamente a “assinatura” do autor de “Vai Passar”: “E, quando eu lhe telefonei, / desliguei: foi engano / o seu nome, não sei. / Esqueci no piano as bobagens de amor / que eu iria dizer”.
E por que Chico não assinou a canção? A explicação é simples: na década de 1970, o compositor enfrentou problemas com a censura imposta pela ditadura militar, que vetava todas as canções suas que eram submetidas ao crivo dos censores. Tanto que, em 1974, decidiu gravar um disco de intérprete: Sinal Fechado [no detalhe, a capa].
No álbum, Chico recebeu uma inédita de Caetano Veloso (“Festa Imodesta”), outra de Gilberto Gil (“Copo Vazio”) e regravou clássicos de Dorival Caymmi (“Você Não Sabe Amar”), Noel Rosa (“Filosofia”) e Paulinho da Viola (a faixa-título). A única composição autoral, “Acorda, Amor”, foi assinada com o curioso pseudônimo de Julinho da Adelaide (!).
Diante de cenário tão adverso, Chico Buarque, apesar de ter sido o primeiro a gravar “Lígia”, preferiu não receber os créditos pela canção — registrada por Jobim somente no ano seguinte, no álbum Urubu.
Veja a versão de “Lígia” que Chico Buarque cantou no (polêmico) Tributo a Tom Jobim, realizado na Praia de Copacabana, em 1995:
Em seu especial global de 1978, Roberto Carlos convidou Antonio Carlos Jobim para que, juntos, cantassem “Lígia”. Com larga experiência como pianista na noite — foi assim, aliás, que começou a carreira —, Jobim improvisou a terceira parte da letra de canção, (aparentemente) surpreendendo Roberto. Com o seu já conhecido perfeccionismo, o Rei, entretanto, insistiu em cantar a versão original. Este fonograma acabou incluído na compilação Duetos, que RC editou em 2006: