sábado, maio 20, 2017

Da série ‘Frases’: ‘Guardar’, de Antonio Cícero



GUARDAR

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, 
fitá-la, 
mirá-la por admirá-la — 
isto é, iluminá-la 
ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, 
isto é, fazer vigília por ela, 
isto é, velar por ela, 
isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela 
ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, 
por isso se diz, 
por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema: 
para guardá-lo.
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
guarde o que quer que guarda um poema.
Por isso o lance do poema...

Por guardar-se o que se quer guardar.


(António Cícero, In.: Guardar: Poemas Escolhidos, 1996)



Veja a (excelente) interpretação de Fernanda Montenegro:


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