Julio Iglesias [no detalhe] é um artista controverso: possui, nos quatro cantos do planeta, fãs e detratores na mesma proporção.
Uma coisa, no entanto, não se pode negar: Iglesias é um sujeito de sorte. Por vários motivos. Para citar apenas um: o espanhol pode se jactar de já ter recebido de presente uma canção inédita de Stevie Wonder. E não uma faixa qualquer: mas uma pérola.
Lançada originalmente no álbum Non-Stop, de 1988, “My Love” — que Wonder jamais registrou em um CD seu —, é um verdadeiro tratado sobre o amor, no seu sentido mais amplo (“Para ricos e pobres, o amor é igual”) e libertário (“E se alguém lhe perguntar quem é o meu verdadeiro amor / diga que o meu verdadeiro amor / está sempre aberto a todo amor que vier”). E, além de participar da gravação cantando, Stevie produziu a faixa e tocou todos (!) os instrumentos.
A verdade é uma só: a canção é tão perfeita, que nem a “pouca intimidade” de Julio Iglesias com a língua inglesa conseguiu comprometê-la...
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Há um trecho de “My Love” que precisa ser destacado — o refrão, que diz: “Deixe que o meu amor brilhe através do mundo / em cada topo de montanha e campanário”. Campanário é o nome que se dá a qualquer torre de igreja que abrigue um sino — ou mais.
E ocorre que Wonder consegue criar, em uma letra de música, uma imagem de tamanha beleza... sem jamais ter visto (!) na vida esses elementos. O mesmo vale para o arco-íris, os botões de rosa, as árvores, o oceano, os golfinhos e os papagaios de “As”. E é justamente nestes pequenos detalhes que reluz a sua magia, a sua sensibilidade aguda.
Para quem crê, Deus está em toda a parte. E ouso dizer que Ele se manifesta com enorme nitidez na obra de Stevie Wonder.
Antes que alguém reclame: provavelmente por uma questão de agenda, Stevie Wonder não aparece no vídeo de “My Love”...
Em uma apresentação de TV, Wonder entoa a canção na companhia de Dionne Warwick. Observem que, em um dado momento, ele se comove, afasta o microfone por alguns segundos... e pede desculpas à plateia. Um certo artista brasileiro — criticando Elis Regina, que chorou várias vezes ao cantar ao vivo “Atrás da Porta”, de Francis Hime e Chico Buarque —, declarou que o artista “não pode se emocionar com a própria arte”. Talvez este cidadão tenha se esquecido que, dentro do profissional mais experiente, continua existindo um ser humano, que pode muito bem fraquejar, sim — por que não? Para respondê-lo, ninguém melhor do que Noel Rosa: “Quem é você, que não sabe o que diz?”